Monday, December 08, 2008

Natal

Lá em casa nunca fomos religiosos. Os meus pais não casaram na igreja e não baptizaram as filhas. Que devíamos ser nós a escolher. Ninguém nos evangelizou. Ainda assim, porque eram outros os tempos, a religião estava presente na nossa vida de uma maneira ou de outra.
Havia a irmã Maria dos Anjos que aparecia de vez em quando na escola primária para dar a aula de religião e moral - não era obrigatório mas só havia uma menina, de uma família jeová, que ia com o professor fazer desenhos para outra sala. E vai-se a ver não me fez mal nenhum ouvir as histórias da Maria e do José e pintar os desenhos e aprender a cantar amar como Jesus amou. Ainda fui umas duas ou três vezes à catequese, porque todas as minhas amigas iam e eu queria ver como era, e no ciclo, apesar não estar inscrita nas aulas de religião, calha não calha no inverno pedia para assistir em vez de ficar uma hora à chuva.
Depois havia a vovó Ana que se emperiquitava todos os domingos para ir à missa. De vez em quando iamos com ela. Como um passeio. Eu adorava aquela coisa de estarmos sempre a sentar e a levantar. E as músicas, sempre gostei das músicas. A vovó Ana dava-nos moedas para pormos no cestinho que passava de mãos em mãos. E também nos ensinou a rezar o pai nosso e a avé maria. A certa altura, começámos a ter aulas de música e a aprender a tocar flauta com o doutor Gomes, que era, também, o responsável pelo coro e pelo órgão da igreja. À falta de outros palcos, o doutor Gomes pôs-nos a tocar na missa o santo, santo é o senhor e o aleluia e outras coisas do género. Domingo após domingo aprendi as lenga-lengas todas e a dar as respostas certas, palavra do senhor, graças a deus, glória a vós, senhor, ámen.
E havia ainda o padre Manuel António que com a sua serenidade e disponibilidade nos conquistou a todos no liceu, mesmo os que não tínhamos aula de religião e ele só nos conhecia dos corredores e das conversas. Também fomos, eu e a minha irmã, fazer o convívio fraterno, três dias no seminário a acordar ao som das violas, e as músicas, outra vez as músicas, mesmo sem acreditar emociono-me só de ouvir o pai nosso em ti cremos e canto com alegria levado pela mão com jesus eu vou. Três dias a falar das nossas dúvidas existenciais, que sempre as há na juventude, de onde viemos, para onde vamos, o que fazemos nós aqui. Três dias e no fim toda a gente rendida menos eu. Juro que me esforcei. Naquela altura já não era uma questão de querer ser igual aos outros, era mesmo uma necessidade. Eu tinha pena de não acreditar. Como isso me resolveria tanta angústia. Depois disso, persistente, ainda fui umas vezes ao grupo de jovens mas rapidamente percebi que estava toda a gente ali para falar de (e para tentar fazer algum) sexo. Obrigadinha mas para isso não preciso perder as tardes de sábado no gélido salão da paróquia.
De maneiras que lá em casa nunca fomos religiosos, que devíamos ser nós a escolher, diziam os meus pais, e deram-nos todas as oportunidades para isso e a minha irmã até andou ali quase para se baptizar e tudo mas eu, eu que queria mesmo era ficar descansadinha a achar que vamos todos para o céu e que os bons serão recompensados e que os maus se não os castigam os homens há de castigá-los deus, eu que acredito no amor acima de tudo, eu que, tirando a gula, até nem sou de grandes pecados, eu que não mato, não bato, não minto e não engano ninguém, eu que, vistas bem coisas, até sou uma boa cristã, esforcei-me e nada. Não sou capaz. Aqui estou acomodada à minha condição de agnóstica (ateia não, mesmo sem fé ainda não perdi a esperança de um dia, quem sabe).
E foi nesta condição de mãe-agnóstica que comprei um presépio para montar com o meu filho-não-baptizado e lhe explicar que há muito, muito tempo nasceu um menino chamado Jesus e que esse menino cresceu e foi tão bom e ensinou-nos tantas coisas que ainda hoje, todos os anos, festejamos o seu aniversário. O miúdo percebeu a parte do nascimento e dos reis a trazerem os presentes e que é por isso que também nós damos presentes e que dar é bom e tal mas o que ele gosta mesmo é de brincar às lutas com os bonecos. Bom, é um princípio. Para o ano será melhor. O mais importante é que ele não pense que o Natal é só prendas e renas e luzes e sapatinhos na chaminé. Isso não. Que acredite antes em Jesus que o pai natal não me interessa mesmo nada. Ainda estou para ver como é que farei para lhe falar de Deus. As coisas que uma pessoa faz pelos filhos.

Labels: , , , , ,

16 Comments:

Blogger JS said...

Como sempre uma delicia ler os seus posts. Identificando-me ou não com as suas histórias, fico sempre com um sorriso nos lábios ou uma lágrima no olho. Obrigada.

11:20 PM  
Anonymous Anonymous said...

Parabéns MJ! Como sempre fico deliciada na escrita, no conteudo e desta vez também no argumento!
De facto, crer ou não crer, é uma questão abstracta, mas saber passar a mensagem mesmo que não 'pegue' é de MUITO BOA MÃE!
Eu, anonima estranha, te felicito e que aquele Deus em que eu creio te continue a acompanhar!
Ah, não te preocupes... a mensagem que procurarte quando jovenzinha passou e bem!

11:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Entrei por mero acaso neste blog e...gostei muito. Adicionei-o aos meus preferidos. Penso que sou mais velha. Mulher. O que uma mãe faz pelos filhos nem dá para imaginar ou sonhar...mesmo nos dias mais criativos...e nunca digas desta água não beberei.Graça

4:38 PM  
Anonymous Anonymous said...

Tão bonito, este texto! Os meus pais também não eram praticantes, mas pelo sim, pelo não, eu andei sempre na catequese e fiz todos os sacramentos, apesar de achar tudo meio chato (excepto as músicas, também me emociono ainda hoje com elas). Também me esforcei por acreditar, mas nunca acreditei verdadeiramente, pelo menos não na história toda. Curiosamente, sempre acreditei em Deus, mas num Deus muito diferente, só meu, sem essa coisa dos rituais, dos pecados, dos castigos, do arrependimento e do medo… um Deus com quem ainda converso, que tem imensa paciência para me ouvir, e que me vai dando respostas, piscadelas de olho, sorrisos ou suspiros de resignação, através das coisas que vou vendo acontecer. Sem dramas.
Quanto aos filhos, acredito que o importante é que quando lhes passamos informação, lhes mostremos o que sentimos, e a nossa lógica emocional/espiritual (para além da intelectual). Eles irão validar positivamente tudo o que sentirem que é verdadeiro para nós. Acreditarem ou não, sobretudo quando forem mais maturos, será sempre um trabalho deles, que não poderemos nem conseguiremos condicionar.

5:11 PM  
Blogger Ana C. said...

Pois eu pensei muito antes de baptizar a minha filha. Sim, ou não? Dar-lhe a escolher, ou escolher por ela? Acabei por sentir que devia escolher por ela apenas e só este sacramento. Depois mais tarde eles podem confirmar, ou não através do crisma. Mas nunca ouvi nenhum filho mais tarde na vida reclamar por ter sido baptizado contra a sua vontade...
Dos meus tempos de colégio de jesuítas a única coisa boa que guardo são precisamente as músicas, tal como tu.
Parabéns pelo blog!

10:34 PM  
Blogger Paula Sofia Luz said...

Quando o meu filho tinha 4 anos fiz o mesmo. Acho que não me valeu de muito, mas pelo menos fiquei de consciência tranquila :)
Eu cresci a acrediar no menino jesus. O Pai Natal era coisa dos meninos da cidade. A~té que com o meu filho me dei conta de que já não falávamos na razão pela qual comemoramos o Natal. Ele percebeu tudo muito bem mas...o que quer é saber das prendas. bj

1:07 AM  
Anonymous Anonymous said...

Eu acho que Deus já a tocou. Você é que ainda não deu por isso. Oxalá todos os crentes tivessem a sua sensibilidade. Os meus sinceros parabéns. Por TUDO.

Maria

10:58 AM  
Anonymous Anonymous said...

Gosto muito que a minha filha se chame Maria Joao.

7:25 PM  
Blogger Mãe da Rita said...

Continuo a encontrar pontos de contacto: este ano fui comprar o presépio que sempre me recusei a ter. E baptizei a miúda porque acho que a «tradição católica» ( ou cristã) tem a ver com raízes, com cultura. Porque mal não lhe vai fazer, porque tentar vou eu sempre tentando achar um eco nisso tudo... Tentar encontrar um amparo que saiba tudo e que de tudo nos possa consolar era tão bom... Bjs p ti, MJ

11:40 PM  
Blogger Juanna said...

Muito bonito. Muito.

2:49 PM  
Anonymous Anonymous said...

Que bonito, MJ. Sabes porquê? Porque és assim uma espécie de luzinha no meio da blogosfera materna. Umas são mães e não podem ser mulheres (os filhos são sagrados, maravilhosos, perfeitos, a salvação do planeta, a realização de uma vida), outras são mulheres e não podem gostar muito da experiência da maternidade(desconfio que estas são as piores, pelo menos as mais chatas) porque gostar muito de ser mãe é sinónimo de não gostar de ser urbana e moderna e chique e independente. Tu és, passo o cliché idiota, mulher e mãe. Ainda não tive filhos, mas, acredita, aprendo muito contigo.

3:12 PM  
Blogger Ana Rute Oliveira Cavaco said...

Estou do lado oposto. Religioso, fui educada assim e pude escolher, claro, mas já crescida. Enquanto criança ia com os meus pais, ouvia no que todos acreditavam como sendo a escolha acertada. Cheguei a crescida e decidi continuar, porque só me faz sentido assim.

Com os meus filhos será igual, até porque o pai está em sintonia comigo. Um dia decidirão, mas enquanto forem crianças acompanhar-nos-ão e faremos todos os possíveis para que continuem na mesma "linha".

Não se trata de fundamentalismo, mas de acreditar que é este o caminho que devem seguir, porque para nós só faz sentido assim.

11:02 AM  
Blogger CM said...

Calhei aqui por acaso e adorei a partilha.
Sou católica, casada e mãe de 3 filhotas ainda bem novinhas (2 gémeas de 2 meses e a outra com 3 anos).
Seria tão bom que cada pai tivesse as mesmas dúvidas que apresenta (seja católico ou não) que se questionasse e procurasse mostrar aos filhos o amor que nos une a todos e que celebramos nesta época.
Mais uma vez obrigada pela lucidez de ideias, que bem me saberia conhecer mais inquetados assim.
Parabéns.
Cláudia Marques

3:57 PM  
Blogger Kella said...

Cresci na igreja evangélica, casei com um homem que partilha da mesma fé. Os nossos três filhos estão a ser educados na fé cristã.
O Homem, por si só tem sempre a tendência de querer fazer as coisas por si e para si mas, há quase sempre uma altura na sua vida em que tem a oportunidade de conhecer a Deus, a Jesus Cristo e é aí que a escolha tem de ser feita: virar-lhe as costas ou continuar a querer conhecê-lo.
Ainda bem que um dia a minha mãe me levou à igreja; ainda bem que um dia abri as portas do meu coração a Jesus. Sem Ele, nada faz sentido; vejo-o e sinto-o em todo lado e diariamente lhe entrego a minha vida.
Um bem-haja para ti.

5:45 PM  
Blogger Ana Sofia said...

Entrei no seu blogue via "cocó" e estou a adorar... sou católica e baptizei os meus filhos... lá em casa o Natal é o nascimento do menino Jesus... o Pai Natal é na escola...
Mas digo-lhe, é mais cristã do que muitos católicos praticantes que conheço!!!
Parabéns pelo blogue

9:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

aqui em casa há menino Jesus e há São Nicolau (Pai Natal) e há arvore de Natal e há tudo o q quisermos q haja... A cena principal será sempre o nascimento de Jesus, o resto é para "enfeitar" pq não? e são tradiçoes q vêm de outros paises e podemos mto bem globalizar.. afinal somos todos irmaos certo? Identifiquei-me muito com este post pq eu seria tal e qual os seus pais, tirando alguns pormenores.. mas a minha filhota mais pequena insiste em ir à missa e lá vou eu com ela.. pq nao nos faz mal nenhum e a minha consciencia fica mais tranquila.. Na minha opiniao eu nao preciso de ir a uma igreja para acreditar no q acredito... é tudo uma invenção das pessoas, tudo. e eu acredito q se formos pessoas de bem, iremos praticar sempre o bem.. se formos pessoas de mal... nao há missas q curem... Um feliz Natal pr si e sua familia

6:29 PM  

Post a Comment

<< Home