Monday, December 29, 2008

As listas

Por estes dias anda toda a gente a fazer listas. De filmes, de livros, de músicas, de espectáculos. Eu adoro listas. Mas este ano isto está difícil. Não li o Roth nem o Coetzee nem o Auster. Não ouvi os Last Shadow Puppets. Não vi o Leonard Cohen. Não vi o Hunger nem o Querido Mês de Agosto. Terei ido ao teatro? (glup, até engulo em seco de vergonha) Sei que vi uns filmes de que gostei, a grande maioria em dvd, como o Juno ou o There Will Be Blood, foram mais com certeza mas agora não me ocorre. Sei que li uns livros, muitas biografias e algumas ficções, quase todos eles com sotaque brasileiro mas, embora tenha gostado do Cristovão Tezza e me tenha surpreendido com o humor da Adriana Calcanhotto, não me parece que daqui a uns anos me vá recordar com precisão dos livros lidos em 2008. A bem dizer não me lembro de este ano ter feito grande coisa na minha vida para além de trabalhar, dedicar-me à família (e já foi bom, nem toda a gente se pode dar ao luxo de dizer que pariu mais uma criancinha este ano, pois não?) e, ah, claro, passar horas infidáveis na internet. A internet salvou-me durante os cinco meses que passei de licença de maternidade (mas como, como é que eu tinha sobrevivido da outra vez?) permitindo manter-me ligada ao mundo, vendo cada vez menos (e menos e menos e menos) televisão, procurando mil e uma coisas no youtube, navegando de blogue em blogue até já não conseguir encontrar o caminho de regresso, e, até, imagine-se, descobrir, sozinha, sem a ajuda das recensões do expresso nem a indicação de amigos, um novo autor fétiche. Chama-se Antonio Prata, é brasileiro (para não variar) e, para já, só o conheço do blogue mas estou com muita vontade de ler os seus livros. Foi assim 2008. Completamente desligada mas ao mesmo tempo ligadérrima.

Labels: , , , , , ,

Friday, December 26, 2008

Do espirito natalicio

Eu vinha aqui escrever sobre a alegria do natal, de como eu gosto daquela confusão, do barulho da batedeira dos bolos, dos cheiros doces e salgados na cozinha, da algazarra dos miúdos, do sol a entrar pela janela e a aquecer-me os joelhos, da azáfama da minha irmã para ter tudo pronto, do tradicional bolo de maçã e nozes, de estarmos todos apertadinhos à mesa, de cantarmos juntos as músicas de natal e as que não são de natal, de a meio do jantar nos pormos a declamar poesias do antigamente, enfim, essas coisas. Mas acabo de reparar que o meu filho está outra vez vestido com o equipamento do sporting. Não despe esta roupa desde que desembrulhou o presente na noite de natal (sim, vestiu-se logo de verde e branco e dormiu equipado, com meias e tudo). O meu filho vestido há três dias à sporting numa família onde quase todos são benfiquistas. E nós ainda nos rimos. Querem mais espírito natalício do que este?

Labels: , , ,

Tuesday, December 23, 2008

Quase no natal

Aconteceu pouco depois de sair da auto-estrada. Os miúdos vinham a dormir, a Marisa Monte a cantar e eu a deliciar-me com os tons verdes e castanhos da terra do Alentejo. É a paisagem mais linda do mundo, pensei, é a minha paisagem. A minha casa. Estamos quase a chegar ao natal. E sem querer até carreguei um bocadinho mais no acelerador.

Labels: , ,

Friday, December 19, 2008

Que esforço?

Na enfermaria onde estive após ter tido o meu segundo conheci uma mulher que chorava todas as noites. Ouviamo-la a fungar por trás da cortina. Diz que teve um parto horrível. Que foram muitas horas de sofrimento e que de repente estava tudo à volta dela a carregar-lhe na barriga e um médico com fórceps e a criança que não saía, uma aflição. No final ficou toda rasgada e dorida que mal se mexia e o bebé tinha ficado nos cuidados intensivos até ver se a demora e as amolgadelas na cabeça não lhe iriam deixar sequelas. Acabou de ter o filho e nem lhe podia pegar. Estava ali deitada e de três em três horas lá se arrastava até à outra ponta do hospital para ir amamentar o seu bebé e dar-lhe um bocadinho de colo até que as enfermeiras a expulsavam e lá vinha ela de olhos vermelhos morrer de inveja a olhar para mim e para as outras com os nossos rebentos.

Tenho uma amiga que passou horas, muitas horas, em trabalho de parto, completamente sozinha no corredor de uma maternidade. Não podia ter o seu companheiro com ela porque não tinha quarto. Não tinha quarto porque estava tudo cheio. E ali ficou a contorcer-se com dores, a vomitar para o chão, a gritar sem amparo, a senhora da limpeza a passar a esfregona por debaixo das suas pernas. De vez em quando, quando mudava o turno, alguém parecia interessar-se. Enfiavam uns dedos e iam-se embora. Horas nisto. Nenhuma explicação. Ninguém a quem recorrer. Agarrada à barriga. A doer.

Eu ouço isto e nem me posso queixar. Mas a verdade é que eu fui, voluntariamente, mais uma cliente desta fábrica nacional de parir bebés que são as maternidades públicas. Como tantas outras. Entramos ali e dão-nos logo um clíster e uma rapadela, sem pedir licença nem dar explicações, que ali nós somos utentes e baixamos a bola porque os doutores é que sabem e podem vir cá ver quantos dedos cabem as vezes que lhes apetece. Bata verde, catéter no braço, e agora ficas aí queitinha e deitadinha com o ctg a apertar-te a barriga. Se precisar de alguma coisa toque a campanhia que há de aparecer a auxiliar com cara de frete a perguntar o que é. Se quiser fazer xi-xi dão-lhe uma arrastadeira (porquê? as grávidas não se podem mexer e ir à casa-de-banho?). E ainda não chegámos à parte do parto propriamente dito. Onde os cortes são feitos por princípio, antes mesmo de se perceber se vai ser necessário. E só pode haver um acompanhante - e, portanto, se a mulher tem uma doula tem de prescindir do companheiro. E mesmo os pais não podem ficar depois do parto porque temos que ir umas horas para o recobro - podem ser duas horas ou seis horas, depende das vagas na enfermaria, e ali fica a mãe sozinha outra vez, agarrada ao seu recém-nascido, com as emoções aos pulos e ninguém para partilhar. (só eu mesmo que sou ideologicamente estúpida para me deixar levar duas vezes pela conversa de que os hospitais públicos é que são bons)

Li hoje no jornal Público que Portugal é o segundo país da Europa com mais cesarianas e que os hospitais deviam todos, mas sobretudo os particulares, fazer um esforço para diminuir o número de intervenções. Que esforço? Claro que aos senhores que mandam (e que são quase sempre senhores, o que pode ser parte da explicação mas não é a única) não ocorre que grande parte do problema se resolveria se as maternidades funcionassem como deve ser. Se não tratassem as mulheres como se fossem gado. Se tivessem o cuidado de preparar efectivamente as suas grávidas para o parto (e já agora uma preparaçãozita ao pessoal que lá trabalha também não seria má ideia). Porque enquanto houver histórias destas para contar é claro que haverá cada vez mais mulheres que, sempre que possível, vão recorrer aos hospitais particulares e chegar lá com a certeza absoluta que querem fazer uma cesariana porque não querem passar pelo que a amiga passou. E alguém as pode censurar?

Labels: ,

Thursday, December 18, 2008

Nobre povo (II)

- mãe, podes levar-me à vitória?

Labels: ,

Nobre povo

O meu filho aprendeu a cantar o hino. Não sei com quem. Foi assim do nada. Anda pela casa de peito inchado a gritar pelos heróis do mar e gosta particularmente da parte do lutar e das armas, pois claro. Sabe aquilo de cor, sem fazer a mínima ideia do que é o esplendor de portugal ou porque é que esta é uma nação valente, e termina a canção sempre exactamente assim:
(...) contra os canhões marchar, marchar
a seguir bate palmas enquanto grita um huhuhu
a seguir diz começa o jogo e desata a dar pontapés numa bola imaginária

Ah, então é isso.

Labels: ,

Tuesday, December 16, 2008

Outros palcos

A minha amiga Princesa das Estrelas puxou o assunto e agora fiquei assim, com as memórias à solta, a lembrar-me das noites que passámos juntas na Cornucópia. Espectáculos de três horas e a seguir as entrevistas. Nós já ensonadas a tentar fazer perguntas inteligentes ao Luís Miguel. Pior do que isso só os ensaios da Lúcia Sigalho. Começavam com horas de atraso e acabavam lá para as três da manhã, no armazém os pés ficavam gelados mas os espectáculos, belíssimos, aqueciam-nos a alma. Foram belos os tempos, apesar de tudo. Os palcos fervilhavam. Em cada edifício em ruínas se fazia teatro, uma performance, um happening, um concerto. E nós sempre lá caídas, fosse o que fosse, espectáculos alternativos, bailarinos em pelota, performers armados ao pingarelho, sessões de poesia, os artistas n'a capital, as secas no teatro nacional. Ninguém falhava. Ninguém ousaria (e agora quantos lá vão?). Era no tempo em que os subsídios às artes davam direito a manifestações e cartas de protesto (e agora quem sabe o que são, como funcionam e quem recebe os subsídios?). No tempo em que esperávamos ansiosas por novembro para saber o que seria a programação do ccb do ano seguinte (mas o ccb ainda tem programação sua ou já é tudo sala alugada?). Mudou a cultura, mudaram os jornais, mudámos nós. Se a mim não me apetece ir a um ensaio de um teatro qualquer o meu chefe até agradece pois que na verdade é coisa que não lhe interessa nada e entre a família da Jennifer Hudson e a doença da Fernanda já fica o jornal com cultura que baste. E os artistas onde andam? Taparam-lhes a boca ou foram todos para as novelas?

Labels: , , ,

Friday, December 12, 2008

You have made my life complete

Está de chuva, o bebé tem uma bronquiolite e eu tenho uma pilha enorme de roupa para passar a ferro. E num dia assim dá-me um ataque de pirosísse aguda. Não sei porquê mas gosto do Elvis, dele mais do que da música. Da sua inocente juventude, do semi-sorriso matreiro, das ancas mexidas, dos olhos de carneiro mal-morto, dos gestos dramáticos mesmo quando, gordo e de fartas patilhas, era já a imagem da decadência. Aqui fica. Porque a vida não é só samba.

Labels:

Thursday, December 11, 2008

Os cromos da bola

A coisa começou nem sei muito bem como. Um dia falou-me do Miguel "Guloso". Noutro dia era o João Moutinho. Uma noite, em frente da televisão, desatou aos gritos porque tinha visto o Aimar. Quem, meu filho? Nunca imaginei que ele fosse assim tão fanático da bola, afinal, estamos a falar de um puto de quatro anos que ainda não percebeu muito bem o que quer dizer "ser" de um clube e que fala com a mesma paixão do Benfica, do Trofense, da Académica e até do "Guima", diminutivo carinhoso com que se refere ao Vitória de Guimarães. Até que um dia, a completo despropósito, ele diz-me que tem de escrever a carta ao pai natal porque tem de pedir como prenda uma caderneta de cromos de futebol. Foi nessa altura que comecei a pensar que talvez isto dos cromos fosse mais importante do que eu tinha imaginado. Seja. Vamos lá perguntar no quiosque o que é que se passa. A alegria do miúdo quando recebeu os primeiros pacotinhos de cromos é algo indescritível. Aquele sorriso de espanto, a ansiedade a rasgar o papel, os olhos esbugalhados - olha o Dí Maria e o Tiago e o Maxi Pereira. Mais uma vez: quem, meu filho? Pois esta criança que parece que engoliu uma embalagem inteira de pilhas duracel (quem o conhece sabe que eu não estou a exagerar), que não pára quieto mais do que dois minutos, que corre e salta de manhã à noite que até às vezes desconfio que isto é hiperactividade (o pediatra ri-se mas eu ando tão estafada que já não acho muita graça), de repente, esta criança arranjou uma verdadeira entretenga: todos os dias, quando recebe a sua dose diária de cromos, fica quieto e calado durante pelo menos uma meia hora, compenetrado perante a seriedade do momento, a abrir os pacotes, a ver e rever os cromos todos, a procurar os números, a atrapalhar-se com aqueles dedos pequeninos até conseguir abrir os autocolantes (eu faço sozinho, mãe, eu faço) e colar todos os jogadores no sítio e, finalmente, a passar as páginas uma e outra vez. Quem é este, mãe? E este? E este? Obrigando-me a repetir até ele decorar aqueles nomes todos. O Tiago e o Pereirinha e o Luisão e o Liedson e o Lucho González. Quem? Com os cromos da bola tenho aprendido coisas fantásticas. Por exemplo, que o Quim é um craque. E que as brincadeiras mais simples são mesmo as melhores.

Labels: ,

Wednesday, December 10, 2008

Lixeira

Os senhores do lixo estão em greve durante quatro dias porque não querem que os privados entrem nesta actividade.
Esperem lá, acho que vi mal.
Os senhores do lixo estão em greve durante quatro dias porque não querem que os privados entrem nesta actividade. O quê? Então os privados podem ter hospitais e escolas, podem construir casas e pontes, podem limpar escritórios e fabricar automóveis, os privados podem fazer segurança, ajudar bebés a nascer, ter estações de televisão, distribuir o gás, vender gasolina mas não podem... tratar do lixo? Este país é uma anedota. Uma anedota suja e a cheirar mal como os contentores que estão lá em baixo à saída do prédio.

Labels: ,

Monday, December 08, 2008

Natal

Lá em casa nunca fomos religiosos. Os meus pais não casaram na igreja e não baptizaram as filhas. Que devíamos ser nós a escolher. Ninguém nos evangelizou. Ainda assim, porque eram outros os tempos, a religião estava presente na nossa vida de uma maneira ou de outra.
Havia a irmã Maria dos Anjos que aparecia de vez em quando na escola primária para dar a aula de religião e moral - não era obrigatório mas só havia uma menina, de uma família jeová, que ia com o professor fazer desenhos para outra sala. E vai-se a ver não me fez mal nenhum ouvir as histórias da Maria e do José e pintar os desenhos e aprender a cantar amar como Jesus amou. Ainda fui umas duas ou três vezes à catequese, porque todas as minhas amigas iam e eu queria ver como era, e no ciclo, apesar não estar inscrita nas aulas de religião, calha não calha no inverno pedia para assistir em vez de ficar uma hora à chuva.
Depois havia a vovó Ana que se emperiquitava todos os domingos para ir à missa. De vez em quando iamos com ela. Como um passeio. Eu adorava aquela coisa de estarmos sempre a sentar e a levantar. E as músicas, sempre gostei das músicas. A vovó Ana dava-nos moedas para pormos no cestinho que passava de mãos em mãos. E também nos ensinou a rezar o pai nosso e a avé maria. A certa altura, começámos a ter aulas de música e a aprender a tocar flauta com o doutor Gomes, que era, também, o responsável pelo coro e pelo órgão da igreja. À falta de outros palcos, o doutor Gomes pôs-nos a tocar na missa o santo, santo é o senhor e o aleluia e outras coisas do género. Domingo após domingo aprendi as lenga-lengas todas e a dar as respostas certas, palavra do senhor, graças a deus, glória a vós, senhor, ámen.
E havia ainda o padre Manuel António que com a sua serenidade e disponibilidade nos conquistou a todos no liceu, mesmo os que não tínhamos aula de religião e ele só nos conhecia dos corredores e das conversas. Também fomos, eu e a minha irmã, fazer o convívio fraterno, três dias no seminário a acordar ao som das violas, e as músicas, outra vez as músicas, mesmo sem acreditar emociono-me só de ouvir o pai nosso em ti cremos e canto com alegria levado pela mão com jesus eu vou. Três dias a falar das nossas dúvidas existenciais, que sempre as há na juventude, de onde viemos, para onde vamos, o que fazemos nós aqui. Três dias e no fim toda a gente rendida menos eu. Juro que me esforcei. Naquela altura já não era uma questão de querer ser igual aos outros, era mesmo uma necessidade. Eu tinha pena de não acreditar. Como isso me resolveria tanta angústia. Depois disso, persistente, ainda fui umas vezes ao grupo de jovens mas rapidamente percebi que estava toda a gente ali para falar de (e para tentar fazer algum) sexo. Obrigadinha mas para isso não preciso perder as tardes de sábado no gélido salão da paróquia.
De maneiras que lá em casa nunca fomos religiosos, que devíamos ser nós a escolher, diziam os meus pais, e deram-nos todas as oportunidades para isso e a minha irmã até andou ali quase para se baptizar e tudo mas eu, eu que queria mesmo era ficar descansadinha a achar que vamos todos para o céu e que os bons serão recompensados e que os maus se não os castigam os homens há de castigá-los deus, eu que acredito no amor acima de tudo, eu que, tirando a gula, até nem sou de grandes pecados, eu que não mato, não bato, não minto e não engano ninguém, eu que, vistas bem coisas, até sou uma boa cristã, esforcei-me e nada. Não sou capaz. Aqui estou acomodada à minha condição de agnóstica (ateia não, mesmo sem fé ainda não perdi a esperança de um dia, quem sabe).
E foi nesta condição de mãe-agnóstica que comprei um presépio para montar com o meu filho-não-baptizado e lhe explicar que há muito, muito tempo nasceu um menino chamado Jesus e que esse menino cresceu e foi tão bom e ensinou-nos tantas coisas que ainda hoje, todos os anos, festejamos o seu aniversário. O miúdo percebeu a parte do nascimento e dos reis a trazerem os presentes e que é por isso que também nós damos presentes e que dar é bom e tal mas o que ele gosta mesmo é de brincar às lutas com os bonecos. Bom, é um princípio. Para o ano será melhor. O mais importante é que ele não pense que o Natal é só prendas e renas e luzes e sapatinhos na chaminé. Isso não. Que acredite antes em Jesus que o pai natal não me interessa mesmo nada. Ainda estou para ver como é que farei para lhe falar de Deus. As coisas que uma pessoa faz pelos filhos.

Labels: , , , , ,

Saturday, December 06, 2008

Eu e um balde de gelado

Encontro uma amiga que já não via há algum tempo.
- Divorciei-me, sabias?
Sério? E estás bem? E os miúdos? E aguentas-te sozinha? Não é muito cansativo?
-É, mas quando estou já muito cansada começo a contar os dias que faltam para eles irem para o pai. É que nesses dias fico mesmo, mesmo sozinha. Já não me lembrava como é bom.
Isto é tão verdade que dói.
Agora mesmo. O bebé está a dormir a sesta, o mais velho saiu com o pai para ir andar de bicicleta e eu sento-me ao computador com um balde de haagen-dazs e penso vamos lá aproveitar o momento. Como é que deixámos que a vida nos transformasse nisto?, mulheres que sonham com minutos de solidão.

Labels: ,

Thursday, December 04, 2008

Pequeno-almoço

O meu pai bebia leite com tofina.
A minha mãe bebia leite com mokambo.
A minha avó bebia leite com pensal.
Eu e a minha irmã bebiamos leite com suchard express.
E ainda dizem que os portugueses têm uma alimentação pouco variada.

Labels: , ,

Tuesday, December 02, 2008

Tanta profissao bonita

De vez em quando lá vem a frase. Quando vieste para o jornalismo já sabias que era assim, se querias ter uma vida normal devias ter escolhido outra profissão. A frase aparece normalmente às seis da tarde quando me vêm dar mais trabalho e eu digo que estou mesmo de saída. Ou quando são sete e eu já estou que nem posso e respondo mal a toda a gente. Quando quiseste ser jornalista já sabias.
Já sabia?
Por acaso não, não sabia. Lembro-me que foi em 1989 e o muro tinha acabado de cair e eu olhei para a televisão e pensei isto é que devia ser mesmo fixe, estar ali, onde as coisas acontecem. Não me ocorreu que aquilo eram horas de jantar e que para estar ali, onde as coisas acontecem, não ia estar em casa a comer sopinha. Mas talvez fosse porque ainda só tinha 14 anos e também jurava a pés juntos que nunca me apanhariam de aliança e tinha a certeza absoluta que ia ser podre de rica. Eu via os sinais do tempo na televisão e lia a grande reportagem e a revista do expresso e o independente e o público - estava eu no 11º ano quando saiu o público e foi um acontecimento, comprava todos os dias e, quando gostava mesmo de uma reportagem, recortava-a e guardava-a num dossier, as minas em áfrica, o orfanato na roménia, a perestroika, a guerra do iraque (a primeira), as chuvas na índia. E eu a sonhar em estar ali, onde as coisas acontecem. Tanta profissão bonita. Podia ter sido secretária, cabeleireira, funcionária da biblioteca, contabilista, professora, engenheira, advogada. E fui logo escolher esta. Não, não sabia. Malditos sejam o miguel sousa tavares e o miguel esteves cardoso, o barata feyo e o carlos fino, o pedro rosa mendes e o luís pedro nunes, o paulo moura e o vicente jorge silva, o adelino gomes e o josé pedro castanheira e todos os outros que me fizeram pensar que ser jornalista é que era. Todos homens. Eu devia ter percebido que havia algo errado.
Mas não sabia. Nem mesmo quando entrei para a faculdade e comecei a pensar mais a serio nisto tudo. Ninguém me disse que eu ia ter que trabalhar fim-de-semana sim, fim-de-semana não. Nunca imaginei que o trabalho só começasse verdadeiramente lá para as quatro. Não me ocorreu que as creches fecham às sete da tarde. Nem mesmo, vejam só a minha ingenuidade, nem mesmo quando comecei a trabalhar e percebi que toda a gente entrava depois do almoço e só saía às tantas da noite. Eu tinha 22 anos e tinha muito tempo. Eu também podia trabalhar até às quinhentas e nem precisava de folgar, para quê?, eu era nova e estava cheia de pica. Nem parei para pensar como é que eles fariam para estar com os filhos. Posso até ter dedicado uns minutos ao assunto, vá, para concluir que o melhor era ter uma empregada, de preferência interna, o que iria ser fácil porque eu ia ser muita boa e ganhar pipas de massa. Claro.
Pois é, a verdade é que eu não sabia. Burrice minha, é óbvio. Ninguém tem culpa. Mas, se eu soubesse, se eu soubesse alguma vez me teria metido nesta vida?
Há dias em que só me apetece mandar isto tudo pro espaço, é o que vos digo. E é porque sou uma rapariga bem educada.

Labels: , , ,